Prevaricação; absolvição; recurso | Ministério Público na Comarca do Porto

Prevaricação; tráfico de influência; construção do Hospital de São Martinho, Valongo; absolvição; recurso | Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Porto, juízo central de instrução criminal)

Por acórdão de 08.10.2021 o Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Porto, juízo central criminal do Porto) absolveu os dez arguidos acusados e pronunciados pela prática dos crimes de prevaricação, de tráfico de influência (um arguido) e de falsificação de documentos (cinco arguidos).
Em causa estava o processo de licenciamento e construção do Hospital de São Martinho, em Valongo, onde foram julgados o administrador da sociedade promotora da obra, o então presidente da câmara municipal de Valongo, bem como dois vereadores e três técnicos municipais, o arquiteto e engenheiro responsáveis pelo projeto, assim como um último arguido que exercia à data funções de deputado.
Relembre-se que foi levado a julgamento, na sequência da decisão de pronúncia, as conclusões indiciárias do Ministério Público de que o processo de licenciamento se iniciou em 2003, para uma construção de quatro pisos, os dois primeiros para uma policlínica e os restantes para escritórios; mas que em 2004, o promotor do investimento solicitou ao município de Valongo a declaração de interesse público, com o consequente aumento do índice máximo de construção de 0,8 inicialmente aprovado para o máximo de 1,5 previsto no PDM de Valongo para obras declaradas de interesse público; e que para o efeito foi alegada a criação no espaço de um Centro de Noite para idosos, destinado a 20 pessoas, resultante de uma parceria entre o promotor e uma IPSS.
Ainda que, mercê da influência do arguido deputado, este pedido foi aprovado em reunião de câmara em Maio de 2005, com o fundamento de que a construção iria albergar o dito Centro de Noite, sem que fosse exigida qualquer prova da alegada parceria com a identificada IPSS; parceria que nem sequer existia, não havendo qualquer protocolo ou instrumento semelhante, entendimento ou sequer projeto, entre a promotora e a IPSS.
Assim como, que o edifício foi depois construído com sete pisos, sendo um de cave, sem que esse acrescento fosse objeto de qualquer pedido e decisão de licenciamento para além do projeto inicial de quatro pisos, o que foi feito por decisão do promotor, ciente de que o município não colocaria entraves mercê da Acão do arguido deputado; descreve-se que apesar deste acrescento de três pisos não licenciados, foram várias as atestações sucedidas por técnicos responsáveis de que a obra fora executada de acordo com o projeto aprovado, nomeadamente na vistoria para efeitos de concessão de licença de utilização, em 09.11.2006.
E, que em Setembro de 2007, mesmo sabendo que a obra já estava construída com sete pisos, o promotor deu entrada no município de Valongo a um pedido de ampliação da obra, fazendo, então sim, referência aos sete pisos, como se estes não estivessem já construídos; e que este pedido foi depois tratado e decidido no município de Valongo do mesmo modo, ficcionando-se que a obra ainda não estava construída, com os técnicos a darem parecer e os decisores a deferirem, o que levou à emissão de alvará de obras de ampliação em 10.12.2007 e à emissão de alvará de utilização em 21.12.2007.
O acórdão considerou, em suma, que não foi recolhida prova de ter existido influência de um dos arguidos junto do executivo e funcionários camarários, que as vicissitudes apontadas na acusação quanto aos processos de licenciamento estariam relacionadas com lapsos do arquiteto responsável pelo projeto, assim como, a existência de um segundo processo de licenciamento, originado após a conclusão da obra, deveu-se ao procedimento escolhido para reposição da legalidade, face à existência da declaração de utilidade pública, na qual o tribunal também desatendeu a versão do Ministério Público, considerando que sempre seria deferir tal pretensão por força do fim a que o edifício foi destinado.
O Ministério Público já apresentou alegações de recurso, pugnando pela revogação da decisão e pela condenação de todos os arguidos e por todos os crimes porque foram acusados, assim como, na condenação do pedido de perda alargado formulado nos autos, contrariando todos os fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão.
Defende o Ministério Público, em recurso, que o acórdão demonstra desconhecimento dos procedimentos de licenciamentos de obras particulares e demais legislação aplicável, aliado a credulidades e erros graves na apreciação da prova. Sustenta também que o acórdão enferma de vários vícios, designadamente de nulidades, de erros graves de apreciação da prova, apontando ainda que, tendo a acusação detalhado todo o caminho que seguiram ambos os procedimentos de licenciamento, o de 2003 e mais tarde o de 2007, na motivação da sentença o Tribunal nunca mencionou sequer a legislação de licenciamento de obras, os procedimentos que foram incumpridos, e as consequências a nível administrativo e criminal dos factos que o Tribunal entendeu como “lapsos”, que são na realidade nulidades daqueles processos de licenciamento.
E, ainda, que o Tribunal acreditou numa versão sem qualquer fundamento, contrariando prova documental do processo, prova testemunhal e as elementares regras da experiência.