Morte contexto violência doméstica; condenação | Ministério Público na Comarca de Porto Este

Homicídio qualificado, violência doméstica agravada e profanação de cadáver; julgamento (Juízo Central Criminal de Penafiel)

Por acórdão datado de 10 de fevereiro de 2023, ainda não transitado em julgado, o Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este (Penafiel, juízo central criminal), condenou um arguido na pena única de 21 anos de prisão pela prática de um crime de violência doméstica agravado, de um crime de homicídio qualificado e de um crime de profanação de cadáver.
O tribunal deu como provado, tal como constava da acusação, que desde o ano de 2020 o arguido e a vítima mantiveram uma relação análoga à dos cônjuges (fixando residência inicialmente em Espanha e desde o início de 2021 em Penafiel) marcada por frequentes episódios de violência verbal e física infligidos pelo arguido à vítima (um dos quais ocorrido em novembro de 2020 encontrando-se a vítima grávida, acabando por perder o feto), com frequentes ruturas e reconciliações do casal.
Ademais, o Tribunal deu como provado que, por diversas vezes, antes de se ausentar para o trabalho, o arguido abrigava a vítima a tomar medicamentos para além dos que lhe haviam sido prescritos para a epilepsia, para dormir e relaxantes musculares, por forma a que esta ficasse a dormir até o mesmo chegar a casa ao fim do dia, tanto mais que o arguido, quando saía de manhã trancava a porta de acesso ao exterior, levando a chave, impossibilitando a vítima de se ausentar de casa, já que a mesma não tinha a chave de casa.
Mais deu como provado, conforme consta no libelo acusatório, que no dia 8 de dezembro de 2021, o arguido, na presença de uma terceira pessoa, insultou e agrediu a vítima com violência, desferiu-lhe murros, pontapés, apertou-lhe o pescoço, puxou-lhe os cabelos e agarrou-a na zona da boca até sangrar. No dia seguinte, o arguido deixou a vítima que se encontrava magoada, ferida e com dores, trancada em casa sem assistência médica. A vítima apenas logrou sair de casa por uma janela da cozinha, após ter sido auxiliada por uma terceira pessoa, tendo nessa altura recebido tratamento médico-hospitalar.
Ademais, de acordo com o Tribunal, tal como constava na acusação, na noite de 16 para 17 de fevereiro de 2022, no interior da residência do casal após manterem relações sexuais o arguido decidiu tirar a vida à vítima.
Para o efeito, nessa madrugada, no interior da residência, o arguido, usando a sua superior força física ocludiu totalmente a boca e o nariz da vítima por forma não concretamente apurada até que a mesma deixasse de respirar, conseguindo assim tirar-lhe a vida.
O Tribunal considerou ainda provado que após a ter matado, o arguido retirou e despejou toda a roupa da vítima num contentor do lixo; pegou no corpo desnudado da vítima, envolveu-o numa manta e colocou-o em cima da cama num dos quartos existentes na referida habitação em posição de decúbito dorsal.
Resulta ainda dos factos provados, na senda do descrito na acusação deduzida pelo Ministério Público, que após a morte da vítima o arguido engendrou um plano para encobrir a sua morte, relatando a quem a conhecia que esta tinha abandonado a residência levando todos os seus pertences. Pretendendo desfazer-se do corpo da vítima, no dia 20.2.2022 o arguido transportou o cadáver até uma zona de mato florestal sita no concelho de Penafiel e aí depositou e abandonou o corpo da vítima, que apenas veio a ser encontrado no dia 28.2.2022 por uma transeunte.
Na determinação da medida da pena o Tribunal atendeu, para além do mais:
- ao grau de ilicitude dos factos muito elevado em todos os crimes;
- à violência doméstica que abrangeu uma panóplia de comportamentos censuráveis e se estendeu no tempo; às lesões provocadas que foram graves tendo a vítima necessidade de recorrer mais do que uma vez a assistência hospitalar;
- o homicídio foi cruel e sem motivo imediato;
- a ocultação do cadáver foi preparada;
- o arguido agrediu e matou a pessoa que escolheu para sua companheira, indiferente a tal relacionamento e à circunstância da vítima ser mãe;
- a personalidade dominadora do arguido;
- a frieza, calculismo e desprendimentodo arguido em relação aos valores básicos da vida em sociedade espelhado desde logo no comportamento posterior ao homicídio.
NUIPC: 1077/22.3JAPRT