Estafetas; contrato de trabalho; decisão proferida em recurso| Ministério Público na Comarca de Vila Real

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Reconhecimento da existência de contrato individual por tempo indeterminado; decisão proferida em recurso (Ministério Público no Juízo do Trabalho da Comarca de Vila Real) 

 

Por acórdãos de 17.10.2024, o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu total provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e, em consequência, revogou as decisões proferidas pelos Tribunais de 1ª instância e, em conformidade, reconheceu que a atividade de entregas que os estafetas prestam à ré é uma relação de trabalho subordinado ou autónomo.

Pode ler-se nos acórdãos proferidos que a ré é uma empresa que gere online um negócio de entregas de bens asseguradas por estafetas e para o efeito detêm um software que funciona como uma “loja”, não física, mas digital, conectando comerciantes a clientes, que assim vendem e compram produtos. É a ré que gere e organiza estes serviços de recolha e entrega de mercadorias, recorrendo a estafetas para os executar. Estes, como contrapartida, recebem um valor por cada entrega pré-estabelecida na App.

Resulta ainda das decisões proferidas que com o referido software a ré faz o contacto entre comerciantes e clientes, sendo ela a distribuir os serviços de recolha e entrega pelos estafetas, a estes fornecendo toda a informação, como os destinatários e locais de recolha e entrega, e remuneração a receber pela prestação do serviço.

A App, sem a qual o estafeta não podia trabalhar e é disponibilizado pela ré, dispõe de um sistema de navegação integrado (GPS) que permite, não só distribuir o serviço de entregas pelos estafetas (mais próximos), como acompanhar o trajecto do estafeta desde a aceitação até à entrega, e ajudar os clientes a consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas.

A utilização pelos estafetas do software detido pela ré, onde tudo é centralizado, é indicador de inserção em “organização” alheia, sendo esta a pedra de toque para ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho.

Como conclui o Ministério Público em sede de recurso, citando João Leal Amado, “ao olhar para um qualquer estafeta, daqueles que percorrem velozmente as ruas nas suas motos (ou, mais lentamente, pedalando nas suas bicicletas), creio que nenhum de nós se convence, seriamente, de que ali vai um empresário … Ali vai, motorizado ou pedalando, um trabalhador dependente, um trabalhador do século XXI…”.

Processos nº 2821/23.7T8VRL, 2834/23.9T8VRL, 2793/23.8T8VRL e 2796/23.2T8VRL.