Escravidão; condenação | Ministério Público na Comarca de Bragança

Tráfico de pessoas de pessoas para fins de exploração laboral; escravidão; aborto na forma tentada; condenação | Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca do Bragança (Bragança, juízo central criminal de Bragança)

Por acórdão proferido a 22.10.2021, ainda não transitado em julgado, o Tribunal Judicial da Comarca de Bragança (Bragança, juízo central criminal) condenou:
  • dois arguidos na pena única de oito anos de prisão, necessariamente efetiva, pela prática de três crimes de escravidão e de três crimes de tráfico de pessoas cometidos em co-autoria;
  • uma arguida a uma pena única de oito anos e seis meses de prisão, necessariamente efetiva, pela prática de três crimes de escravidão, de três crimes de tráfico de pessoas cometidos em co-autoria, e ainda de um crime de aborto na forma tentada;
  • uma arguida na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova pela prática de um crime de tráfico de pessoas.
Em síntese, o tribunal deu como provado que os arguidos, dois deles casados entre si e o terceiro, filha daqueles –entre o ano 2000 e o dia 8.11.2011- convenceram pessoas que com eles foram viver e trabalhar que receberiam a remuneração devida pelo trabalho e aliciaram outras, num total de cinco, para trabalharem em explorações agrícolas e na construção de autoestradas - quer em Portugal quer em Espanha - com a promessa de trabalho bem remunerado e com alimentação, alojamento e transporte gratuito de e para os locais de trabalho, o que não se concretizou.
Os arguidos escolhiam pessoas com baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional, por vezes com deficiências físicas, oriundos de grupos sociais desfavorecidos, sem retaguarda familiar e/ou sem emprego e/ou que atravessavam dificuldades financeiras.
Os arguidos sujeitaram os ofendidos a condições desumanas entre as quais:
  • trabalharem todos os dias da semana, à exceção do Domingo, nas atividades agrícolas ou nas obras;
  • as mulheres eram também obrigadas a trabalhar nas lides domésticas na casa de dois dos arguidos todos os dias da semana, exceto quando eram obrigadas a realizar trabalhos agrícolas, não recebendo qualquer remuneração por tais trabalhos;
  • viverem sem condições de habitabilidade e salubridade: numa das casas sita em Portugal dormiam no chão, em cima de cobertores e de um colchão, num compartimento anexo à cozinha;
  • reterem-lhes a documentação oficial de identificação pessoal e relativas às contas bancárias às quais os arguidos tinham pleno acesso, incutindo um ambiente de terror, opressivo e intimidatório com recurso a ameaças; insultos e, em relação a alguns ofendidos sujeitá-los a agressões físicas – murros, pontapés e bofetadas.
Para além disso ficou ainda provado que os arguidos impunham grandes restrições à movimentação dos ofendidos, fechando-os à chave durante a noite; não lhes permitindo entrar e sair do alojamento/casa quando quisessem, ou mesmo regressar a Portugal se lhes apetecesse aproveitando ainda a circunstância dos ofendidos não serem conhecedores da língua espanhola; não terem dinheiro e encontrarem-se privados dos seus documentos de identificação pessoal; impedindo ainda o contacto dos ofendidos com o exterior, sendo que os poucos contactos telefónicos que lhes era permitido efetuar eram sempre realizados na presença dos arguidos.
O tribunal deu ainda como provado que, na sequência de um relacionamento sexual não consentido, uma das ofendidas engravidou do marido de uma das arguidas. Assim que se apercebeu, uma das irmãs daquela arguida, também ela arguida e ora condenada, e com o intuito de colocar termo àquela gestação desferiu diversos golpes com as mãos na zona do ventre da ofendida, causando-lhe fortes dores e ferimentos, não logrando, contudo, pôr termo àquela gravidez de 24 semanas de gestação.
Foi ainda dado como provado que, uma das ofendidas tinha a viver consigo a filha menor de idade, e que esta, ao completar o 6.º ano de escolaridade foi retirada da escola por uma das arguidas e obrigada a cuidar e tratar da sua neta, sendo que disso beneficiou e consentiu a filha daquela arguida (mãe da bebé), também ela arguida e ora condenada. Esta adolescente/jovem vítima foi ainda alvo de diversas agressões físicas.
Para além disso, aqueles arguidos ainda se apoderaram da prestação social de abono de família devido a esta ofendida, ainda menor, tendo uma das arguidas se apropriado, em seu beneficio e da sua família, de quantia superior a €2,100.00 correspondentes aos abonos pagos e devidos àquela.
Provou-se ainda que os arguidos recebiam dos donos das explorações agrícolas quantias que variavam entre os 30 e 50 euros por cada dia de trabalho de cada um dos trabalhadores e os 1300 mensais de remuneração do trabalho prestado na construção de uma autoestrada em Espanha. Contudo, os arguidos nunca pagaram o que haviam combinado com os ofendidos, sucedendo que, ou não lhes entregaram o que quer que fosse, ou entregaram valores muito inferiores aos devidos, que, por exemplo, num caso, foram €300 em vez dos €7.800 devidos.