Escravidão; acusação | Ministério Público na Comarca do Porto

Escravidão; recrutamento de trabalhadores para a agricultura em Espanha; acusação | Ministério Público no Diap da Procuradoria da República do Porto (Porto, 10.ª secção)

Por despacho de 04.11.2020, o Ministério Público no Diap da Procuradoria da República do Porto (Porto, 10.ª secção) deduziu acusação contra um arguido e uma arguida, companheiros vivendo em união de facto, e contra um outro arguido, filho daqueles, imputando a todos a prática de dezanove crimes de escravidão.

O Ministério Público considerou indiciado que de 2011 a 30.08.2016, arguidos e arguida levaram de Portugal para Espanha, para La Rioja e Léon, para trabalhar em explorações agricolas, pelo menos catorze pessoas, algumas das quais por mais que uma vez.

Descreve a ausação que os arguidos escolhiam pessoas fragilizadas pela sua situação pessoal, por debilidade intelectual, dependência, falta de retaguarda familiar ou carência económica; e que lhes prometiam, a troco do seu trabalho, um pagamento de €30 a €40 diários, alojamento, alimentação e transporte para Espanha.

Mas mais descreve que em La Rioja os trabahadores foram alojados num armazém agrícola e que em Léon ficaram distribuídos por uma garagem, um curral e uma pocilga; que a alimentação fornecida era nutricionalmente pobre, constituída ao jantar por arroz, massa e batatas cozidas, com ossos de frango e rabos ou barbatanas de bacalhau; que a jornada de trabalho diária tinha hora para começar mas não para acabar, prolongando-se às vezes por treze horas; que os arguidos impunham grandes restrições à movimentação dos ofendidos, não lhes permitindo entrar e sair do alojamento quando quisessem, ou mesmo regressar a Portugal se lhes aptecesse; que além disso os intimidavam, agrediam e ameaçavam, fazendo que vivessem num clima de terror; e que quando algum deles fugia, o que sucedeu pelo menos com dois, os perseguiam e traziam de volta ao alojamento.

O Ministério Público indiciou ainda que embora arguidos e arguida recebessem dos donos das explorações agrícolas €10 a €12 por cada hora de trabalho de cada um destes trabalhadores, nunca lhes pagaram sequer o que haviam com eles combinado, sucedendo que ou não entregaram o que quer que fosse, ou entregaram valores muito inferiores aos devidos, que, por exemplo, num caso, foram €300 em vez dos €6 300 devidos, e noutro €550 em vez dos €21 900 devidos; tal conduziu, diz o Ministério Público, a que os arguidos tivessem um benefício económico não inferior a €368 915 com a conduta que empreenderam, cujo perdimento a favor do Estado é pedido.

A acção criminosa dos arguidos, salienta ainda a acusação, cessou no dia 30.08.2016, com uma busca das autoridades espanholas, em Léon, ao local onde arguidos e arguida tinham, então, seis trabalhadores, que foram na ocasião libertados.